quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

O uso dos prazeres na contemporaneidade – o que é permitido e o que é proibido, segundo critérios éticos.

O uso dos prazeres na contemporaneidade – o que é permitido e o que é proibido,
segundo critérios éticos
[1]

Por: Fernando Gomes de Melo

Falar sobre o que é permitido ou o que deve ser proibido em se tratando da sexualidade humana nos leva a uma discussão anterior a respeito do “normal” e do “anormal”, o que é uma dificuldade enorme dada a diversidade de comportamentos sexuais. Os estudos têm nos mostrado que cada vez mais o relativismo impera neste campo, contribuindo para tanto a cultura e o conceito de “normalidade” de quem o pratica.

O conceito do que chamamos de “normal” também vai depender, a partir do ângulo observado, ou seja, o social, o biológico, o psicológico ou o ético.

Se entendermos que, do ponto de vista social, o normal é o que é frequentemente aceito para determinada sociedade, também podemos ver que dentro de uma mesma sociedade o critério de normalidade é pautado pelo que o indivíduo “acha” que é normal, sendo o que os outros pensam ou façam de diferente qualificado de “anormal”.

Pelo critério biológico, o “normal” seria o pênis penetrar a vagina, ficando todos os outros comportamentos sexuais no campo dos desviados ou “anormais’.

Sob o ângulo da psique, o interesse estaria mais na compreensão dos fenômenos inconscientes que atuam em um indivíduo para levá-lo a se portar desta ou daquela forma do que na definição de “normalidade”. Porém, Freud acreditava que, entre adultos, qualquer forma de comportamento sexual que tomasse precedência sobre a relação heterossexual representaria um desvio no desenvolvimento sexual. Uma relação sexual sadia ou madura implicaria ter como objeto sexual um indivíduo do sexo oposto e como desejo sexual o coito com ele.

Para discutirmos o campo da ética veremos que ela designa o fundamento moral, o estudo dos princípios teóricos que a constitui. Veremos então que a ética é em primeiro lugar uma relação de si para consigo mesmo, para a condução da própria existência. Sendo assim, a ética pode constituir uma moral, se ela se preocupa com o outro, se ela universalizar a regra de sua ação. Desta forma ela constrói a mínima, uma moral para um dado grupo humano, e a máxima, uma moral propriamente dita, valendo para todos, universal.

Assim, o ângulo ético-moral se confunde, em parte, com o social. Os valores de “certo” ou “errado” daquela sociedade é que serão a moral e o “normal” para aquela comunidade. Porém, também encontramos duplo padrão de moralidade no estabelecimento do “normal” à prática de sexo oral ou anal com a amante ou a prostituta, mas não com a esposa.

Vemos que a sexualidade é uma parte integral da personalidade de todo ser humano. O desenvolvimento total depende da satisfação de necessidades humanas básicas, tais quais desejo de contato, intimidade, expressão emocional, prazer, carinho e amor. Também acreditamos que a sexualidade é construída por meio da interação entre o indivíduo e as estruturas sociais. Saúde sexual, e não “normalidade” sexual, é o resultado de um ambiente que reconhece, respeita e exercita direitos sexuais que dão conta de uma moral e ética social.

Cada forma de sexualidade que cada ser humano apresenta – por mais que, aparentemente esta sexualidade se encaixe, ou não, na “norma” ditada pelos costumes da sociedade na qual ele está inserido ela é única.

Entretanto, o porquê de tal forma de sexualidade ser como é pode ser explicada pelo mito que cada um de nós constrói. Neste sentido, o sujeito cria uma ficção para construir sua autobiografia.

Agora, o discurso limita, sim, o sujeito à sua prática sexual. Por exemplo: para muitos, é muito mais chocante descobrir que determinado sujeito, que até então tem tido uma conduta ético-social acima de qualquer suspeita, apresenta práticas sexuais ditas “desviantes”, do que descobrir que este mesmo sujeito cuja prática sexual enquadra-se no que dita a norma, é um perverso em outras esferas da vida social. No entanto, a forma como o sujeito vive sua sexualidade, não constitui nenhuma garantia de normalidade sob outros aspectos. Assim, é comum ouvir-se dizer: “fulano de tal é sádico”, “aquele outro é fetichista”, descobriu-se que aquele sujeito tão correto, honesto e trabalhador, casado e pai de três filhos, tinha práticas sadomasoquistas com uma prostituta!”, e assim por diante, esquecendo-se que o sujeito vai além disso, e que limita-lo à sua prática sexual é uma atitude perversa. O grande problema é que se as práticas sexuais hoje estão bem mais ‘liberadas”, a sexualidade continua sendo um eterno problema.

Sexualidade tem, é importante lembrar, que ser entendida no sentido mais amplo. Ou seja, não apenas a sexualidade genital. Em psicanálise, sexualidade é tudo que dá prazer: comer, dormir, as necessidades fisiológicas, etc.

Neste sentido, o uso dos prazeres devem ser “permitidos” a partir do respeito a normas morais que interditam o sujeito a “práticas que ultrapassem a receptividade e concordância do parceiro(o), que ele(a) possam ser juridicamente e também nas dimensões biológicas e mentais, responsáveis por suas decisões sobre a participação no ato sexual, lembrando que isto não resume ao contato genital.

Com relação a vivência pessoal, salientamos o respeito que o sujeito deva ter com seu próprio corpo, como também com sua integridade mental, respeitando seus limites.

Assim, não poderíamos condenar a zoofilia, sendo esta uma prática de opção voluntária e que cuidados devam ser tomados, nem também, por exemplo, a troca de casais, desde que haja a concordância dos adultos envolvidos.

Salientamos, todavia, a nossa escolha com a interdição de práticas que firam a liberdade de escolha como a necrofia, pelo desrespeito a esta mesma norma de respeito ao outro, além do tabu primário do incesto.

[1] Texto apresentado na Especialização em Sexualidade Humana pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP.

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